quarta-feira, 7 de julho de 2010

VITÓRIAS E DERROTAS


O desnecessário e pueril tombo brasileiro na Copa do Mundo faz com que eu caia solidariamente naquele lugar comum de usar o futebol como metáfora, recurso adorado por populistas de todas as cores ( presidentes inclusive) e inevitável em tempos como este que estamos passando, em que a auto-estima de um país inteiro vai provisoriamente pras cucuias. A sombra da derrota no pebolim (paulistano, porque no Rio é totó) em que se transformou o vigoroso esporte bretão deve durar pouco tempo, já que o autoritarismo do pobre Dunga, ingênuo Judas da vez, atirou a seleção em descrédito desde o princípio. Depois de anos de ditadura ficamos avessos a esse tipo de comportamento.
Eu particularmente curti muitas vitórias e sofri outras tantas derrotas na vida. Pra nossa geração musical, criada em festivais, era deles que surgia a surpresa de sermos transformados em vencedores ou vencidos, ídolos ou anônimos da noite pro dia. Passei por vários e embora não tenha ganhado nenhum, capitalizei muita experiência em participações e conhecimento de causa. Cancha, enfim, que me foi utilíssima na carreira, se é que isso pode servir de consolo numa era e num país onde só o primeiro lugar é válido.
Os Festivais eram uma espécie de vestibular para a turma jovem que iria se iniciar na profissão. Juntávamo-nos todos, entusiasmados, e ficávamos discutindo as músicas que poderiam levantar a galera. E põe galera nisso: das várias centenas nos das TVs Excelsior e Record a dezenas de milhares no maior deles, o Internacional, no Maracanãzinho. Gente de todos os tipos e gostos que torcia futebolisticamente – olha a metáforazinha aí de novo, que fazer... – por sua música favorita e vaiava sem dó as favoritas dos outros, fazendo com que muito pouco som fosse de fato ouvido nas fases decisórias. O melhor dos Festivais de Música dos anos 60 e 70 era sua absoluta democracia: misturavam-se no palco e na feroz concorrência nomes consagrados e desconhecidos, o que dava a nós, principiantes, a alegria adicional de ficar ombro a ombro com nossos ídolos nos camarins.
Nosso “vestibular de composição” era dividido em três fases: o chamado “balaio”, onde um secretíssimo júri selecionava uns dez por cento das milhares de músicas enviadas do Brasil inteiro; a seleção das classificadas, que seriam apresentadas e televisadas em duas ou três séries; e depois das eliminatórias, as finalíssimas, com as classificações definitivas e os prêmios adicionais de costume, tipo melhor cantor, cantora, arranjo, etc.. Pra nós, um Oscar.
Em 1966 meu amigo e guru, o poeta e letrista Nelson Lins de Barros, convenceu-me a inscrever músicas no 1° Festival Internacional da Canção, o FIC. Eu mesmo não levava muita fé em mim e agradabilissimamente surpreso em me ver classificado para as apresentações no Maracanãzinho. Talvez seja difícil pra vocês imaginar o deslumbramento que nós, jovens compositores, sentíamos ao ver nosso trabalho reconhecido ao lado dos Badens, Vinícius, Edus Lobos e até Caymmis e Tons. Imaginem! Euzinho mal entrado na pós adolescência, naquele camarim olhando meus maestros preferidos discutirem arranjos, meus cantores favoritos me ensinando exercícios de voz, meus compositores mais queridos mostrando uns aos outros suas ainda mal terminadas autorias... Era de cair de costas. Talvez tenha sido até por isso que em vez de dá-la à interpretação experiente e profissionalíssima do amigo Pery Ribeiro, que adorava a música, fiz questão de cantar eu mesmo minha “Inaiá”, um samba de viés folclórico muito à minha moda de então, que recebeu um arranjo primoroso do querido maestro Lindolfo Gaya. Derrota: fui pras finais, mas tremi na última apresentação e peguei um melancólico nono lugar. Vitória: ouvir vinte mil pessoas me aplaudindo no meio da música, na apresentação eliminatória.
A Charanga, com Luiz Carlos Sá


No ano seguinte, inscrevi-me de novo, mas aí a derrota foi total: não passei do balaio. Em compensação, meus amigos mais chegados estavam todos já na crista dos festivais. O MomentoQuatro, quarteto vocal-instrumental de Zé Rodrix, Mauricio Maestro, Ricardo Villas e David Tygel dividia o palco com Edu Lobo e Marília Medalha e vencia o III Festival da Record com a magistral “Ponteio” (Edu Lobo – Capinam). E meu recém, mas já muito amigo e futuro parceiro de música e vida Guarabyra disputava com sua “Margarida” as finais da parte nacional do II FIC, coadjuvado pelo Grupo Manifesto de Gracinha Leporace, Guto Graça Mello, Mariozinho Rocha, Augusto Pinheiro e outros. Recebi um convite pra assistir à final nacional, mas embora morasse na Tijuca, perto do Maracanãzinho, não me animei a ir: minha desclassificação ainda me doía muito. Preferi a TV. E de repente, no meio de um cochilo, ouço o apresentador anunciar:
- E a vencedora é... “Margarida”, de Guttemberg Guarabyra, apresentada pelo autor e o Grupo Manifesto!
Dei um pulo de três metros e caí do sofá, perplexo. Meu amigo ganhara! Fiquei vendo a emocionada reapresentação da turma, no meio da balbúrdia de milhares de pessoas que acenavam enormes margaridas de papiê machê, com um arrependimento sem fim de não ter pulado fora daquele bode idiota e ido ver o que acabara por ser a vitória do amigo, saído meteoricamente do anonimato de Bom Jesus da Lapa para a fama estratosférica que um festival daqueles dava, em termos inclusive de cobertura internacional, já que a vencedora do Brasil partia para concorrer com a mais badalada ainda parte internacional do Festival.
Mas enfim, a vitória dele consolou minha derrota e eu parti com mais convicção e menos medo para outras competições, em outros FICs ou nos importantes Festivais Estudantis da TV Tupi que revelaram João Bosco, Ivan Lins e Gonzaguinha e no menos badalado - mas não menos importante - Festival de Juiz de Fora, onde conheci Milton, Lô, Tavito, Beto Guedes e toda a turma mineira que desembocou no Clube da Esquina. Jamais ganhei nenhum festival. Mas não carreguei comigo o ranço da derrota, porque neles acabei por aprender o papel da música e da amizade na minha vida. Aprendi a abraçar sem inveja, a tocar junto, a compor em parceria, a comemorar a justa vitória alheia e a lamentar com sinceridade a derrota injusta sem fingir o inexistente fairplay de uma hora frustrante.
Éramos quase todos muito jovens. As vitórias e derrotas dessa época ajudaram-nos a criar os calos necessários e fazer com que conhecêssemos melhor o mundo real e muitas vezes cruel e inflexível de nossa profissão, entendendo que por trás daquele glamour havia uma exigência de dedicação e seriedade. E que em vez de ficar ricos talvez tivéssemos que ser apenas felizes.
É pra isso que servem as vitórias. E as derrotas também!

Coluna VIDA DE ARTISTA
luiz carlos sá
Jul/2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guarabyra na Passarela

E APARECEU O GUARABYRA
Fala, Gutemberg!


Além de vencer o 2º Festival Internacional da Canção, na parte nacional, com a música Margarida, em 1967, Gutemberg Guarabyra, nascido em Barra (antiga Vila de São Francisco de Chagas da Barra do Rio Grande), no sertão baiano, venceu o Festival de Juiz de Fora, em 1969, com Casaco Marrom, uma parceria com Renato Corrêa (Golden Boys) e Danilo Caymmi. Interpretada pela cantora Evinha (Trio Esperança), a música estabeleceu um dos maiores sucessos de execução da época. O excelente compositor tornou-se também produtor musical (TV Tupi), diretor artístico (6º FIC e Festival de Juiz de Fora) e publicitário premiado, compondo jingles ao lado de Luiz Carlos Sá. Numa época em que a moda eram as músicas engajadas, Guarabyra estava mais para um agente do flower Power, num misto de hippie com trovador medieval. Autor gravado por artistas do porte de Milton Banana Trio, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, João Donato, Zizi Possi, Sérgio Reis e Agostinhos do Santos, Gutemberg falou com a gente:

Numa época em que a onda na MPB eram as músicas engajadas, feitas por compositores com militância política ou por artistas populares, como João do Vale e Zé Kéti, como a vitória de Margarida foi recebida?

R- Muito bem. Aliás, até pode ter sido o caráter tranquilo e despojado da música a razão de ter vencido. Outro dia estive com um compositor concorrente no mesmo festival e brinquei que minha música só tinha vencido porque todas as outras eram tristes e a minha era a única aragem fresca da manhã em toda aquela noite de tempestades pela qual o Brasil passava na época. Além disso, hoje sei que o público interpretava em mim uma espécie de símbolo daquilo que os heróis populares geralmente representam. Eu era apenas um menino anônimo, 19 anos à época, chegado do sertão longínquo do rio São Francisco, sobrevivendo na cidade grande às custas de um emprego humilde de office-boy etc. Portanto, aquele apoio todo da população do Rio, milhares de pessoas enfeitadas de margarida fazendo um verdadeiro carnaval no Maracanãzinho e também por toda a cidade, onde a flor virou moda, tinha por trás uma força humana alheia à luta política que se desenrolava. Isso pegou todo mundo de surpresa. Inclusive eu, claro.

Você sofreu patrulha da esquerda festiva, que invadia os festivais pronta para vaiar qualquer coisa que não fosse engajada?

R- Não, porque como já falei minha música e meu surgimento foram fenômenos que correram por fora disso tudo. A vaia que levei na noite em que Margarida se consagrou em primeiro lugar foi a vaia normal que todo ganhador de festival leva. Naquele momento, você tem apenas a sua torcida o aplaudindo enquanto as 29 demais torcidas, naturalmente decepcionadas, descarregam sua frustração. Não há como escapar da vaia de vencedor. Nem Chico e Tom, que também venceram o mesmo festival, com Sabiá, escaparam dela.


Guarabyra recebe o troféu no FIC das mãos
da atriz Kim Novak e do maestro Henry Mancini



O que levou à saída do Zé Rodrix do trio, em 1973?

R- Zé era um sujeito muito mais ordeiro e aplicado que a gente (eu e Sá). Era um arranjador, escritor, tinha uma necessidade enorme de viver em contato com os livros, com as partituras e, em razão disso, tinha a necessidade de dispor de um lugar para estudar, refletir. Enfim, era essencial para ele viver em casa, enquanto eu e Sá éramos loucos por aventura, dormíamos em qualquer lugar nas estradas, tínhamos uma fome enorme de ver, presenciar o Brasil. Foi mais por isso que o trio se desfez.


O compacto simples com Margarida



E o que motivou a reunião da tropa em 2001? Foi só a perspectiva de participar do Rock in Rio?

R- Aconteceu que logo depois de nossa separação já não estávamos mais separados. No início brigamos feito crianças, uma briga muito infantil. Acho que o ser humano tem uma necessidade muito grande de justificar esse tipo de situação em que a separação é inevitável. Há que se buscar um culpado sempre. Mas às vezes – diria até que na maioria das vezes – não há motivo algum para briga, embora persistam os motivos para a separação. Foi assim que, mesmo sem conversar sobre o assunto, sem “discutir a relação”, a gente se viu de repente se encontrando de novo, Zé fazia arranjos pros discos da dupla, participava nos vocais das gravações etc. De modo que quando o Rock in Rio nos avisou que tinha resolvido fazer uma homenagem aos criadores do rock rural e ao rock rural em si, foi pra lá de natural convidar Rodrix para cantar com a gente. Afinal, a homenagem era dirigida a ele também. O que não havíamos planejado, pelo menos conscientemente, era que depois do Rock in Rio voltaríamos à estrada juntos novamente como trio.



Evinha: sucesso com Casaco Marrom


A nova reunião dos três, em 2008, para a gravação do CD Amanhã, significava que vocês iam ganhar estrada novamente?

R- Na verdade já estávamos na estrada de novo. Desde o Rock in Rio 2001 que excursionávamos Brasil afora normalmente. Aliás, a volta do trio aconteceu como uma coisa boa na vida dos três. Foi excelente descobrir que havia um público específico do trio, que amava as músicas do trio. Uma ocasião muito especial, logo após nosso reencontro, se deu na cidade de Navegantes, em Santa Catarina. Fomos nos apresentar lá sem banda, apenas a gente com nossos instrumentos. Gostávamos muito de nos apresentar assim. Era uma boa oportunidade para nos ouvir novamente nos acordes soando muito limpos, saltando dos instrumentos e principalmente dos nossos vocais, que sempre foi uma parte que apreciávamos caprichar e curtir. Ainda mais quando o show acontecia em um bom teatro, com acústica ideal, como era o caso. Então estávamos animados nos camarins antes da apresentação. Brincávamos, descontraídos, gozando a cara um do outro, como era de nosso feitio. Aí, quando fomos chamados, entramos no palco procurando nos concentrar e nos dirigimos aos nossos instrumentos. Porém, se deu uma coisa que até agora me emociono quando lembro. Ainda sem termos emitido um único som, enquanto o Zé se acomodava ao piano e eu e Sá passávamos por sobre os ombros as correias dos violões, alguém iniciou um aplauso tímido na platéia, e esse aplauso foi sendo ampliado aos poucos, aqui ao lado, mais no fundo. Segundos depois, o público de pé, num teatro enorme totalmente lotado, aplaudia o trio sem parar. Era como se a nossa volta fosse ainda mais importante do que o próprio espetáculo que íamos oferecer. Ficamos perplexos. Entendemos ali isso que já disse. Havia um público específico do trio, e ele estava com saudades.

Quais são os planos, agora, com a ausência do Zé Rodrix? A dupla planeja uma turnê?

R- Os planos agora são lançar um disco novo o mais rapidamente possível. No início achávamos que poderíamos completar a turnê do disco Amanhã mesmo sem Rodrix. Mas logo vimos que sem a voz e a presença peculiar do nosso companheiro jamais o trio existiria de novo. Foi difícil constatar isso e achamos que será também difícil o processo de reconstrução de nossa própria carreira que já estava embalada em direção a outro destino. Mas a vida é assim mesmo. Quem não recomeça não vive.



Extraído do Blog Passarela:
http://veja.abril.com.br/blog/passarela/entrevista/e-apareceu-o-guarabyra-3/